quinta-feira, 9 de outubro de 2008

OCA ou OCA, ambas brasilidade.

“Não me sinto importante. Arquitetura é meu jeito de expressar meus ideais: ser simples, criar um mundo igualitário para todos, olhar as pessoas com otimismo. Eu não quero nada além da felicidade geral.”
Oscar Niemeyer
A Obra
Arquuitetura nacional: à direita, OCA de Oscar Niemayer. à esquera Oca indígena.
Autor e contexto:
Filho de Oscar de Niemeyer Soares e Delfina Ribeiro de Almeida, Oscar Niemeyer nasceu no bairro de Laranjeiras, na Rua Passos Manuel, que receberia no futuro o nome de seu avô, Ribeiro de Almeida, ministro do Supremo Tribunal Federal. Passou sua juventude como jovem carioca típico da época: boêmio e sem a menor preocupação com os rumos de sua vida. Concluiu o ensino secundário aos 21 anos, mesma idade com que se casou com Annita Baldo, filha de imigrantes Italianos da província de Pádua.
Após o casamento, sentindo o peso da responsabilidade que havia assumido, decide trabalhar e retomar os estudos. Começou, então, a trabalhar na oficina tipográfica do pai, ingressando na Escola Nacional de Belas Artes, de onde saiu formado como engenheiro-arquiteto em 1934. Na época, passava por dificuldades financeiras, mas mesmo assim decidiu trabalhar sem remuneração no escritório de Lúcio Costa e Carlos Leão. Sentia-se insatisfeito com a arquitetura comercial vigente e acreditava poder encontrar respostas para suas dúvidas com eles.
Em 1945, já um arquiteto com algum nome, filia-se ao PCB. Sempre foi um forte defensor de sua posição como stalinista. Durante alguns anos da ditadura militar do Brasil auto-exilou-se na França. Um ministro da Aeronáutica da época diria que "lugar de arquiteto comunista é em Moscou". Visitou a União Soviética, teve encontros com diversos líderes socialistas e foi amigo pessoal de alguns deles. Em 2007 presenteou Fidel Castro com uma escultura de caráter anti-americano: uma figura mostruosa ameaçando um homem que se defende empunhando uma bandeira de Cuba. Em seu discurso de 2007, onde Fidel fala em aposentaria, faz referência ao amigo Niemeyer: "Penso como (o arquiteto brasileiro Oscar) Niemeyer, que se deve ser conseqüente até o final". Esta frase foi repetida em sua carta de renúncia de 18 de feveiro de 2008.
Descrição Técnica da obra
A OCA foi um trabalho de Oscar Niemeyer para o Parque Ibirapuera, traçado em 1951 para comemorar o quarto centenário da cidade de São Paulo (1954), e que ganhou vida nova, livre dos acréscimos e ocupações inadequados que com o tempo se lhe impôs. Primeiro, a prefeitura paulistana desocupou o Pavilhão Manoel da Nóbrega (atualmente ocupado pela Pinacoteca do Estado), onde ficava o gabinete do prefeito; posteriormente, houve a recuperação do Pavilhão da Bienal; após a megaexposição Brasil 500 Anos, os órgãos públicos municipais restituiram o brilho original do restante da obra.
Entre os trabalhos recuperados, um dos mais importantes é o Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, conhecido como a Oca, ou a calota do Ibirapuera, um magnífico domo marcado pelas escotilhas - as aberturas - em sua base.
A Oca (cerca de 10 mil m2 de área construída) foi projetada originalmente para exposições e era chamada de Pavilhão de Exposições.Internamente as belas curvas das rampas. Um sistema de ar condicionado especial, responsável pela manutenção da temperatura ambiente em níveis adequados a telas e esculturas, sem umidade, transformam a Oca no maior museu climatizado do mundo. A arquitetura de Niemeyer com sua originalidade, suas curvas, pilotis e passeios, unidos pela marquise, sempre com a leitura singular das possibilidades do concreto.
Oca é o nome dado à habitação indígena brasileira. O termo é oriundo da família lingüística tupi-guarani.
As ocas são construções de grandes dimensões, podendo a chegar 30 m de comprimento. São construídas em esquema de mutirão (trabalho coletivo e cooperado) ao longo de cerca de uma semana, com uma estrutura de madeira e taquaras e cobertura de palha ou folhas de palmeira. Chegam a durar 15 anos, e não possuem divisões internas ou janelas, apenas uma ou poucas portas, e servem de habitação coletiva para várias famílias. Em geral, não recebem reparos e quando inabitáveis os ocupantes a abandonam. Não possuem janelas, têm uma abertura em cada extremidade e em seu interior não tem nenhuma parede ou divisão aparente.
A Oca de Niemayer é projeto contemporâneo, seguindo conceitos de sustentabilidade e inspirada na arquitetura das ocas indígenas.
Considerações parciais
Assim como a etnia do povo brasileiro é formação a partir da miscigenação entre o branco europeu, o índio e o negro. Percebemos esses elementos diluídos em toda manifestação brasileira, e por isso a seleção da obra artística de Niemayer a Oca nos traz em discussão elementos tanto dos índios quanto dos brancos.
O elemento branco foi importante na nossa formação, principalmente o branco português. Ao lado dos elementos índio e negro, é o branco que se encontra na origem do nosso povo, desde o século XVI. Outros europeus vieram para cá, ainda no século XVI, mas tiveram pouca vivência e influência. Mais tarde, porém, italianos, árabes e japoneses emigraram para o Brasil e trouxeram importantes contribuições. Os índios foram, sem dúvida, os primeiros habitantes do Brasil. Espalhavam-se por todo o Brasil na época de seu “descobrimento” e estavam reunidos e organizados em tribos, que compunham diferentes nações e que se dividiam conforme a língua, os usos e os costumes. As tribos indígenas mais importantes foram os tupis, taquias, caribas e nuaruaques, estes últimos eram os mais adiantados culturalmente, mas os tupis é que tiveram contato com os primeiros colonizadores. Os usos e os costumes dos índios eram bem diferentes dos europeus e variavam de uma tribo para outra. Ocorreu uma significativa mestiçagem entre os índios e brancos nos primeiros séculos de nossa colonização. Por isso, muitos dos seus costumes fazem parte da cultura brasileira de hoje.
Em arquitetura, o modernismo erudito aprendido nas faculdades apresenta-se em alguns, poucos, exemplos o Oscar Niemayer, Vilanova Artigas, entre outros. Mas estes exemplares são minoritários no panorama geral do Brasil. Nas edificações nacionais, a continuidade espacial é a tônica, onde as paredes divisórias deixam de ser isoladoras de atividades para tornarem-se simplesmente selecionadoras de ambientes. A obra – manifestação artístico-cultural que compõe minha seleção para esta discussão – trabalham esta dualidade pelo meio estético, entre a arquitetura indígena e a arquitetura do acadêmico Niemayer.
Nosso passado torna-se recente na arquitetura de Niemayer: o espaço da Oca privilegia a dinâmica coletiva, consiste em transito de um número grande de pessoas, diferente da proposta residencial que a Oca dos índios ofereciam.
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX e no início do século XXI, como podemos vivenciar também no Brasil. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. A intersecção destas duas perdas constitui o que teóricos como Stuart Hall classificam como “crise das identidades”.
Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A modernidade, em contraste, não é definida apenas como a experiência de convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, mas é uma forma altamente reflexiva de vida, na qual as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz das informações sobre aquelas próprias práticas, alterando caráter, ritmo e alcance da mudança, e a natureza das instituições modernas. De forma semelhante, a arquitetura indígena brasileira, repensada sob a tradição da tecnologia e arquitetura européias, nos faz reler o visual nacional e, sobretudo compreender que temos uma estética genuinamente brasileira, dentro desta miscigenação, presente sim na Oca enquanto obra histórica, parte do complexo do Ibirapuera, e portanto ao mesmo tempo forma de relembrar o passado indígena, pensar o futuro miscigenado e antepor-se a um presente que não valoriza a tradição multi-cultural e multi-étnica.